Respeito, humanidade, diversidade e igualdade. Quatro substantivos simples que fazem muita diferença, sobretudo quando é necessário buscar qualquer tipo de atendimento de saúde. Hoje, 28 de junho, é celebrado o Dia do Orgulho LGBT, em alusão a um episódio violento de abordagem policial sofrida por um grupo em Nova York, em 1969, reconhecida como a Rebelião de Stonewall. Para além desse marco, o mês de junho é pautado pelos avanços conquistados pela população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros em todos os campos de atuação.

Já pensou ser interceptado na porta de um banheiro ou de um consultório por causa de sua orientação sexual ou identificação social? Infelizmente isso ainda acontece Brasil afora. Empenhada em mitigar barreiras e garantir acesso equânime aos serviços de saúde para todos os públicos, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) celebra os avanços percebidos desde a implementação da Política Estadual de Saúde Integral LGBT, em 2020. A principal premissa da Política é promover o atendimento humanizado e propor políticas públicas que garantam a universalidade e a equidade do acesso à saúde, que são princípios norteadores do SUS em todos os níveis de atenção.

Integrante do Comitê Técnico Estadual de Saúde Integral LGBT, Rafael Sann atuou como agente Redutor de Danos por três anos em um programa municipal de combate à AIDS acompanhando usuários nas unidades de saúde e constatou as melhorias na prestação dos serviços de saúde pública ano período. “Praticamente todos os dias eu presenciava uma violação de direito, seja o desrespeito ao nome social e olhares atravessados dos servidores. Depois que a Política Estadual de Saúde Integral LGBT foi criada, a população LGBTQIAPN+ foi tirada da invisibilidade nas políticas públicas de saúde”, explica Sann.

“Quando se traz a questão da saúde integral, também traz a reflexão que a saúde deste público não se resume a ISTs (infecções sexualmente transmissíveis). Atualmente, temos ótimos exemplos de experiências exitosas, principalmente nas cidades que criaram um colegiado específico para tratar do plano operativo. A política trouxe a necessidade dos municípios se capacitarem para identificar melhor esta população, para ouvir e atender melhor suas demandas”, complementa o agente.

Segundo o Art. 196 da Constituição Federal de 1988, a saúde é um direito de todos e dever do Estado e, dessa forma, o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde deve ser garantido. Esse ainda é um desafio para a população LGBT, pois, de acordo com dados de um estudo feito pelo Ministério da Saúde, 67% dos entrevistados já sofreram algum tipo de discriminação motivada pela identidade sexual ou pelo gênero, proporção que alcançou 85% no caso de travestis e transexuais. O mesmo documento aponta que 14,5% dos participantes do estudo relataram terem sofrido algum tipo de preconceito nos serviços da rede de saúde.

De acordo com Milena Rago, referência técnica da coordenação de Saúde Indígena e Políticas de Promoção da Equidade em Saúde da SES-MG, existem necessidades únicas relacionadas ao atendimento do público quanto à orientação sexual e à identidade de gênero e, por isso, é necessário traspor a barreira do preconceito. “Com a implementação da Política Estadual, a SES-MG pôde estruturar as ações que o Estado deve desempenhar para garantir o acesso aos serviços de saúde, elencar prioridades de acordo com a realidade da população e empenhar esforços para fazer com que seja eficiente. Houve o incremento de recurso financeiro do governo estadual para viabilizar capacitações nas Unidades Regionais de Saúde, monitorar as ações realizadas e proporcionar acesso equânime ao SUS”, explica.

Em outubro de 2022, foram definidas normas de adesão, execução, acompanhamento e avaliação para destinação de incremento financeiro para as equipes de saúde da família dos municípios mineiros. Com a Resolução SES/MG nº 8.375, espera-se qualificar o acesso à saúde da população LGBT, no âmbito da Atenção Primária à Saúde do Estado de Minas Gerais. Durante o ano passado, o governo de Minas disponibilizou R$ 24.466.291,98 para a execução da Política Estadual de Saúde Integral LGBT e, atualmente, 840 dos 853 municípios aderiram à resolução, assinando Termo de Compromisso.

Segundo o estudo “Evidências Científicas sobre o acesso aos serviços de saúde pela população LGBTQI+”, realizado por pesquisadores brasileiros e publicado no jornal científico “Research, Society and Development” (*), 8% dos entrevistados relataram que o profissional de saúde se recusou a prestar o atendimento por causa da orientação sexual ou identidade de gênero. Além disso, 23% dos entrevistados não procuraram os cuidados em saúde que precisavam devido à preocupação com maus-tratos, e 29% informaram que atrasaram ou renunciaram ao atendimento médico devido a preocupações com discriminação. De forma semelhante, 9% dos entrevistados lésbicas, gays e bissexuais e 21% dos entrevistados transgêneros disseram perceber o uso de linguagem abusiva por profissionais de saúde quando procuraram atendimento médico, e 33% dos entrevistados tiveram uma interação negativa com profissionais de saúde por causa de sua identidade de gênero.

“Os homens gays têm maior risco de desenvolver vários tipos de câncer, incluindo próstata, testículo, anal e cólon. Os números de doenças sexualmente transmissíveis como sífilis, infecções por papilomavírus humano (HPV) e hepatite neste público também são maiores. Além disso, lésbicas e mulheres bissexuais têm maior risco de terem diagnóstico positivo de câncer de mama, ovário e endométrio, devido ao número menor de gestações e de mamografias realizadas. Esses grupos têm inúmeros desafios de acesso à saúde, como a homofobia institucional nos serviços de saúde, a patologização da homossexualidade e da transexualidade e o acolhimento inadequado, o que reforça a necessidade das Secretarias de Saúde em voltarem seu olhar para essa questão e atuar na capacitação das equipes de atendimento”, Milena.

Estratégias

A referência técnica esclarece que a SES-MG tem várias frentes de atuação para garantir que a Política Estadual seja colocada em prática, encurtando o caminho pela busca da equidade nos serviços de saúde do SUS. “Uma das ações que a Secretaria realiza é em conjunto com o Tele Saúde da UFMG, por meio da realização de webaulas, com vistas a capacitar os profissionais lotados nas 28 Unidades Regionais de Saúde. Além disso, atuamos em conjunto com outras áreas da Secretaria nos determinantes sociais de saúde no Programa Saúde em Rede. Com o recurso disponibilizado pelo Estado, as capacitações na ponta podem ser conduzidas pelas Regionais ou pelos municípios, de acordo com a necessidade local”, ressalta.

Em complemento à Política, foi idealizada e divulgada aos municípios, pela Diretoria de Promoção da Saúde da SES, a Nota Técnica nº 4, que orienta quanto ao registro do nome social, assim como o preenchimento dos campos de "Orientação Sexual" e "Identidade de Gênero" no sistema e-SUS, de modo que seja feita coleta de informações relevantes para a compreensão das demandas específicas dessa população, facilitando a implementação de políticas e ações mais assertivas.

É importante salientar que os usuários que se sentirem discriminados ou presenciarem qualquer situação de preconceito ou LGBTfobia nas unidades ou serviços de saúde devem acionar a Ouvidoria do Estado, que é o canal adequado para relatar esse tipo de situação. É possível registrar a manifestação por meio do telefone (31) 3915-2022, pelo site www.ouvidoriageral.mg.gov.br pelo Disque Ouvidoria (162) ou pelo Disque Saúde (136). A reclamação ou denúncia pode ser feita de forma anônima e o usuário recebe um retorno do registro realizado. Além disso, o indivíduo pode procurar a Polícia Militar para registrar um boletim de ocorrência.

Processo Transexualizador

Além dos avanços percebidos no âmbito de atenção primária, é importante pontuar as melhorias na atenção secundária e terciária existentes, como no que se refere ao Processo Transexualizador (conjunto de procedimentos e assistências prestadas à comunidade transgênero). Para fins de habilitação, o Ministério da Saúde propõe as seguintes modalidades:

· Modalidade Ambulatorial: consiste nas ações de âmbito ambulatorial, que compreendem o acompanhamento clínico, acompanhamento pré e pós-operatório e hormonioterapia, destinadas a promover atenção especializada no Processo Transexualizador em estabelecimento de saúde cadastrado no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES) que possua condições técnicas, instalações físicas e recursos humanos adequados.

· Modalidade Hospitalar: consiste nas ações de âmbito hospitalar, que englobam a realização de cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório, destinadas a promover atenção especializada no Processo Transexualizador realizadas em estabelecimento de saúde cadastrado no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) que possua condições técnicas, instalações físicas e recursos humanos adequados.

Em Minas Gerais, estão habilitados para serviços ambulatoriais o Hospital Eduardo de Menezes, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HCU-UFU) e a Universidade Federal de Juiz de Fora, sendo este último habilitado, também, para a Atenção Especializada no Processo Transexualizador, na modalidade hospitalar.

(*) FONTE: “Evidências científicas sobre o acesso aos serviços de saúde pela população LGBTQI+”, publicado em “Research, Society and Development“, vol. 11.

Por Poliana Gois