Com início previsto para este mês, o município de Monte Azul, integrante da área de atuação da Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Montes Claros, participará de um Projeto Piloto de Rastreamento da Doença de Chagas por meio da realização de exame de Eletrocardiograma (ECG). O município é o primeiro, entre outras 106 localidades de Minas Gerais, a participar da validação de uma ferramenta de inteligência artificial capaz de permitir o rastreamento da doença de Chagas crônica, através da identificação de alterações sugestivas no eletrocardiograma.

O Projeto, que será implementado por pesquisadores do Centro São Paulo–Minas Gerais para Tratamento da Doença de Chagas (SaMI–Trop), foi apresentado pela SRS sexta-feira, 3, aos gestores de saúde do Norte de Minas durante reunião da Comissão Intergestores Bipartite do Sistema Único de Saúde (CIB-SUS). O encontro, realizado no auditório da Prefeitura de Montes Claros, reuniu dirigentes de saúde integrantes das áreas de jurisdição da SRS de Montes Claros e das Gerências Regionais de saúde de Januária e Pirapora. O Projeto é coordenado pelo médico e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Antônio Luiz Pinheiro Ribeiro.

Créditos: Pedro Ricardo

A referência técnica da Coordenadoria de Atenção à Saúde da SRS, Renata Fiúza Damasceno explica que no período de dois anos o Projeto envolverá cerca de 2,5 mil pessoas, residentes em municípios do Norte de Minas e da região de Divinópolis.

“Todos os pacientes que realizarem exame de eletrocardiograma terão os laudos analisados por sistema de inteligência artificial. Quando forem identificadas alterações sugestivas para a doença de Chagas um sistema de alerta informará este resultado aos serviços de vigilância epidemiológica do município de residência do paciente. O município deverá proceder a busca ativa do paciente para a coleta de sorologia e encaminhamento de material para análise no laboratório da Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Belo Horizonte”, pontua Renata Fiúza.

O Projeto prevê que, para os casos com resultados de sorologia positivos para a doença de Chagas, o município deverá realizar a notificação no Sistema de Agravos de Notificação (Sinan). Em seguida, caso seja recomendado, o município deverá ofertar ao paciente o tratamento antiparasitário, além de acompanhamento médico.

O Projeto

Desde 2013 o Centro São Paulo–Minas Gerais para Tratamento da Doença de Chagas realiza pesquisas envolvendo doenças negligenciadas. O Centro é composto por um grupo de cientistas colaboradores de quatro instituições de ensino: Universidade Estadual de Montes Claros – (Unimontes); UFMG; Universidade Federal de São João Del Rey e a Universidade de São Paulo – (USP). Os trabalhos são financiados pelo National Institute of Health, um conglomerado de centros de pesquisa que formam a agência governamental de pesquisa biomédica do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. Está sediado em Bethesda, Maryland, e constitui o maior centro de pesquisa biomédica do mundo.

O SaMI-Trop já publicou mais de 30 artigos científicos. Dentre as temáticas há fatores associados ao tratamento antiparasitário; a qualidade de vida; ao prognóstico e a sobrevida; criação de escore de risco para prever mortalidade; identificação de novos biomarcadores; associação entre alterações cardíacas e biomarcadores, além dos desafios para a assistência à doença de Chagas nos serviços de atenção primária à saúde.

Atualmente os pesquisadores pretendem aplicar os conhecimentos na identificação de metodologias e ferramentas que permitam aumentar o número de pacientes diagnosticados e a oferta de tratamento. Além disso, serão identificadas estratégias que possibilitem melhorar o acompanhamento dos pacientes e auxiliar na avaliação de novos candidatos a tratamento.

A doença

Renata Fiúza lembra que, assim como outros agravos negligenciados, a doença de Chagas está associada à pobreza. A doença é transmitida por diferentes vias, sendo a vetorial que envolve espécies de triatomíneos, insetos chamados popularmente de barbeiros. Estima-se que, no mundo, entre 6 e 8 milhões de pessoas têm a doença e mais de 75 milhões moram em áreas de risco de contágio.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que são inúmeras as barreiras existentes para o acesso da população a diagnósticos e tratamento da doença de Chagas, a maior delas, a educação. Apenas 1% ou menos, daqueles que poderiam se beneficiar obtendo a cura da doença ou a prevenção para formas sintomáticas crônicas, tem real acesso ao tratamento. Em geral, os diagnósticos ocorrem na fase tardia, quando já há comprometimento crônico e complicações, com grave prejuízo às pessoas, suas famílias e comunidades, além de elevado custo ao sistema de saúde.

Em virtude dessa situação epidemiológica a Portaria 1.061, publicada dia 18 de maio de 2020 pelo Ministério da Saúde, determina que os serviços de saúde além de oferecer diagnóstico e tratamento também deverão fazer a notificação compulsória da doença de Chagas. Com isso, será possível criar um banco de dados e ter indicadores que permitam fazer análises epidemiológicas mais precisas para fortalecer a política de controle da doença no país.

Por Pedro Ricardo