Depois de ações iniciadas em abril deste ano no município de Monte Azul, a microrregião de saúde de Coração de Jesus, composta por Jequitaí, Lagoa dos Patos, São João da Lagoa, Coração de Jesus e São João do Pacuí, será a próxima a ser contemplada com a implementação do Projeto de Rastreamento da Doença de Chagas por meio da realização de exames de Eletrocardiograma (ECG). O objetivo é intensificar o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno de pessoas acometidas pela doença que, no Norte de Minas, é considerada endêmica.

O início das atividades, a partir de setembro, na microrregião de Coração de Jesus foi um dos temas de reunião unificada da Comissão Intergestores Bipartite do Sistema Único de Saúde (CIB-SUS), realizada em 31 de julho, no auditório do Consórcio Intermunicipal Multifinalitário da Área Mineira da Sudene (Amams). O encontro contou com a participação de gestores de saúde de Montes Claros, Bocaiúva, Coração de Jesus e Francisco Sá, dirigentes e técnicos do Conselho de Secretarias de Saúde de Minas Gerais (Cosems) e da Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Montes Claros.

A referência técnica da Coordenadoria de Atenção à Saúde da SRS Montes Claros, Renata Fiúza Damasceno, destacou a importância do diagnóstico da doença de Chagas, levando em conta que “menos de 10% dos casos são diagnosticados precocemente e menos de 1% dos pacientes são tratados e acabam evoluindo para formas crônicas da doença, com comprometimento cardíaco e digestivo”. 

31.07.2023.Montes Claros Doença de Chagas

Em todo o estado, a previsão é de que, até novembro de 2024, o Projeto de Rastreamento da Doença de Chagas seja implementado em 107 municípios sob jurisdição das superintendências regionais de saúde de Montes Claros e de Divinópolis. As atividades são implementadas por pesquisadores do Centro São Paulo-Minas Gerais para Tratamento da Doença de Chagas (SaMI–Trop), coordenado pelos professores Ester Sabino e Antônio Luiz Pinho Ribeiro, coordenador da Rede de Teleassistência de Minas Gerais e do Centro de Telessaúde do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“O diagnóstico tardio da doença de Chagas é o principal fator de ocorrência de óbitos de pessoas no Norte de Minas. Por meio de projeto piloto de rastreamento, iniciado em Monte Azul, já foi possível diagnosticar 29 novos casos da doença”, observou Renata Fiúza, reforçando a importância do trabalho conduzido pelos pesquisadores do SaMi-Trop.

De acordo com o projeto piloto, a previsão é de que 2,5 mil pessoas realizem exame de eletrocardiograma. Os laudos serão analisados por sistema de inteligência artificial. Quando forem identificadas alterações sugestivas para a doença de Chagas, um sistema de alerta informará esse resultado aos serviços de vigilância epidemiológica do município de residência do paciente. A partir deste momento, a secretaria municipal de saúde deverá proceder a busca ativa do paciente para a coleta de sorologia e encaminhamento de material para análise no laboratório da Fundação Ezequiel Dias (Funed), em Belo Horizonte. 

O Projeto prevê que, para os casos com resultados de sorologia positivos para a doença de Chagas, o município deverá realizar o registro no Sistema de Agravos de Notificação (Sinan), mantido pelo Ministério da Saúde. Em seguida, caso seja recomendado, o município deverá ofertar ao paciente o tratamento antiparasitário, além de acompanhamento médico.

 

O projeto

Desde 2013 o Centro São Paulo–Minas Gerais para Tratamento da Doença de Chagas realiza pesquisas envolvendo doenças negligenciadas. O centro é composto por um grupo de cientistas colaboradores de quatro instituições de ensino: Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ) e a Universidade de São Paulo (USP). Os trabalhos são financiados pelo National Institute of Health, um conglomerado de centros de pesquisa que formam a Agência Governamental de Pesquisa Biomédica do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, que está sediado em Bethesda, Maryland, e constitui o maior centro de pesquisa biomédica do mundo.

O SaMI-Trop já publicou mais de 30 artigos científicos. Dentre as temáticas há fatores associados ao tratamento antiparasitário; a qualidade de vida; ao prognóstico e a sobrevida; criação de escore de risco para prever mortalidade; identificação de novos biomarcadores; associação entre alterações cardíacas e biomarcadores, além dos desafios para a assistência à doença de Chagas nos serviços de atenção primária à saúde.

Atualmente os pesquisadores pretendem aplicar os conhecimentos na identificação de metodologias e ferramentas que permitam aumentar o número de pacientes diagnosticados e a oferta de tratamento. Além disso, serão identificadas estratégias que possibilitem melhorar o acompanhamento dos pacientes e auxiliar na avaliação de novos candidatos a tratamento.    

 

Cura

Renata Fiúza, referência técnica da Coordenadoria de Atenção à Saúde da SRS Montes Claros, lembra que, assim como outros agravos negligenciados, a doença de Chagas está associada à pobreza. A doença é transmitida por diferentes vias, sendo a vetorial aquela que envolve espécies de triatomíneos, insetos chamados popularmente de barbeiros. Estima-se que, no mundo, entre 6 e 8 milhões de pessoas têm a doença e mais de 75 milhões moram em áreas de risco de contágio. 

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que “são inúmeras as barreiras existentes para o acesso da população ao diagnóstico e ao tratamento da doença de Chagas, sendo a educação a maior barreira. Apenas 1% ou menos daqueles que poderiam se beneficiar obtendo a cura da doença ou a prevenção para formas sintomáticas crônicas têm real acesso ao tratamento. Em geral, os diagnósticos ocorrem na fase tardia, quando já há comprometimento crônico e complicações, com grave prejuízo às pessoas, suas famílias e comunidades, além de elevado custo ao sistema de saúde”.

Em virtude dessa situação epidemiológica, a Portaria Nº 1.061, publicada dia 18 de maio de 2020 pelo Ministério da Saúde, determina que os serviços de saúde, além de oferecerem diagnóstico e tratamento, também deverão fazer a notificação compulsória da doença de Chagas. Com isso, será possível criar um banco de dados e ter indicadores que permitam fazer análises epidemiológicas mais precisas para fortalecer a política de controle da doença no país. 

 

Por Pedro Ricardo