Angústia. Esse é o termo que definia o sentimento dos profissionais que, por algum motivo, recebiam o relato ou o pedido de ajuda de alguma vítima de violência sexual, no município de Varginha. Observar que muitos não sabiam o que fazer com uma pessoa que foi há pouco violentada e que procurou por auxílio foi uma das molas propulsoras para que a equipe de Vigilância Epidemiológica Municipal solicitasse apoio de uma assistente social, juntamente com a Referência em Agravos não transmissíveis, e iniciasse um trabalho que já rende frutos.

Capacitação da rede realizada em novembro de 2022 com participação de referências da SRS Varginha Créditos: Secretaria Municipal de Saúde de Varginha

Paula Cristina Ribeiro Gomes, Coordenadora de Vigilância Epidemiológica do município de Varginha, está há 12 anos atuando na saúde municipal. Porém, foi a partir da publicação da Resolução CIB-SUS/MG Nº 7.732, de 22 de setembro de 2021 - que instituiu repasse de incentivo financeiro, em caráter excepcional, para fortalecimento da Vigilância das Causas Externas (Violências e Acidentes de Trânsito) - que ela relata que foi possível tornar tangível uma organização do fluxo de atendimento a vítimas de violência sexual.

Segundo Paula, o primeiro passo foi levantar a rede de assistência e de acolhimento que poderia ser procurada pelas vítimas para ajuda. A partir daí, foram iniciadas reuniões intersetoriais que trouxeram um alinhamento capaz de definir responsabilidades e papéis no fluxo de notificação de violências sexuais. 

Em novembro de 2022, o município realizou uma Capacitação sobre Vigilância das Violências para apresentação do fluxo de atendimento à vítima de violência sexual no município de Varginha, e reuniu setores como Educação, Polícias Civil e Militar, SAMU, Bombeiros, Ministério Público, Delegacia da Mulher, Unidade Básicas de Saúde, Unidade de Pronto Atendimento, Hospitais da rede pública e privada do município, Conselho Tutelar e Assistência Social. “Percebíamos um anseio grande dos participantes da capacitação em de fato desabafar sobre a angústia de se querer ajudar e direcionar esses casos, que por vezes chegavam até eles”, afirma Paula. 

Ainda segundo Paula, a maior fonte notificadora de Varginha continua sendo a Unidade de Pronto Atendimento. Porém, a rede se tornou tão integrada que escolas particulares, ao saberem deste trabalho, procuraram a equipe de saúde para comporem, também, o fluxo, justamente devido ao desconhecimento do que fazer para ajudar aquela vítima que, por sua vez, também não sabia ao certo quem procurar.

A Rede Hospitalar

Em setembro de 2022 foi publicada deliberação estadual que regulamentou o funcionamento dos serviços de saúde para o atendimento às vítimas de violência sexual e instituiu os hospitais de referência para garantir uma atenção humanizada às mulheres e ampliar o seu acesso. Um avanço que traz alívio, acolhimento e principalmente ajuda especializada a todas as mulheres que sofrem com essa verdadeira violação que traz danos ao corpo, a mente, a vida; afetando até mesmo a sociedade.

A partir da Deliberação CIB-SUS/MG Nº 3.939 também foi instituída a grade de referência hospitalar para os serviços da Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual.  Com a medida, a maior parte do estado passou a contar com um serviço hospitalar de referência para compor a rede assistencial e eficaz para atendimento regionalizado às vítimas.

Vinte hospitais da área de abrangência da Superintendência Regional de Saúde de Varginha (SRS) são componentes do Valora Minas - que estabelece a Política de Atenção Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Dentre estes, 6 foram habilitados como instituições de referência para atendimento às vítimas de violência sexual no âmbito do SUS-MG. 

“Todas as instituições referenciadas estão preparadas para a coleta de vestígios, ou aguardando capacitação para tal pela Polícia Civil. Esse atendimento humanizado, integral e multidisciplinar às vítimas de violência sexual permite, além do acolhimento, atendimento clínico, profilaxia com antiretroviral, testagem rápida para IST/AIDS, anticoncepção de emergência, e, nas instituições tipo II, interrupção da gestação conforme previsto em lei”, ressalta Luciana Pereira, Referência Técnica da Saúde da Mulher, na SRS Varginha.

Em Varginha, mais de 95% do público que é vítima de violência sexual é composto de mulheres e crianças. Todavia, qualquer público que necessite receberá o acolhimento e atendimento disponíveis dentro da Rede, pois todos os atores envolvidos estão aptos a acolher, notificar e encaminhar à vítima ao hospital de referência mais próximo. “Uma questão importantíssima no estabelecimento do fluxo foi a o fim da cultura de se ter o Instituto Médico Legal (IML) como ponto focal para coleta de vestígios, o que proporciona uma exposição inadequada da vítima; hoje, evita-se a revitimização com o direcionamento ao local correto para a execução do procedimento”, reforça Luciana. No caso do município de Varginha, ainda ficou estabelecido que, apesar de todos os atores envolvidos na rede estarem aptos para o acolhimento e direcionamento, nenhuma porta de entrada, senão o hospital de referência, fará o exame físico. Luciana ainda afirma que “todos os atores estão cientes de seus papéis e de sua importância para que a vítima tenha o mínimo de exposição e o máximo de segurança ao procurar ajuda após uma situação de violência”.

Dados que comprovam o bom trabalho

Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) mostram que o número somado de notificações de violências sexuais em Varginha, nos últimos 5 anos - 2017 a 2021 - equivale, em média, a 52,8% dos casos notificados somente em 2022, ano em que o trabalho de estabelecimento do fluxo foi iniciado, a partir dos repasses de incentivos oficializados e da grade referenciada estabelecida. “Os incentivos e oficialização de políticas em torno das violências sexuais foram de fundamental importância para que o trabalho ganhasse força e visibilidade, diminuindo a subnotificação e tornando a sociedade civil como um todo, corresponsável pela humanização através do direcionamento adequado das vítimas”, conclui a Coordenadora do município, Paula Cristina.

 

 

Por Tânia Corrêa