“A grande decepção que ainda persiste na atualidade é o diagnóstico da leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, acontecer depois da oitava consulta de um paciente a um médico. Com diagnóstico tardio, a quantidade de óbitos se mantém crescente. O médico que não apalpa o paciente e não o examina, não consegue identificar a possibilidade da doença. Isso porque, não se encontra o que não se procura. Dar uma receita médica sem examinar o paciente, nunca possibilita diagnosticar a leishmaniose de maneira precoce, viabilizando o tratamento correto”.
Essa foi uma das advertências que o médico, professor universitário e pesquisador do Ministério da Saúde (MS), Sílvio Fernando Guimarães de Carvalho fez segunda-feira (8/12), durante videoconferência realizada pela Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Montes Claros, com o objetivo de atualizar médicos e enfermeiros do Norte de Minas sobre o diagnóstico da leishmaniose visceral.
Logo na abertura da videoconferência o médico frisou que, apesar do diagnóstico da leishmaniose visceral ser de fácil identificação em pessoas com febre persistente e aumento anormal do baço e do fígado, a doença ainda representa um grande desafio para a saúde pública, pois está sem controle e em franca expansão em todo o mundo.
“Os instrumentos de intervenção (diagnóstico, tratamento, controle de vetor e de reservatório) têm sido insuficientes. Além disso, as populações com leishmaniose são as mais negligenciadas entre as demais doenças tropicais, sendo que 90% dos casos estão concentrados em apenas cinco países da América Latina, leste da África e na Índia. A leishmaniose representa a segunda maior causa de morte por doenças parasitárias no mundo, atrás apenas da malária”, pontuou o médico.
Aliado ao aumento de segmentos populacionais expostos à doença, como migrantes, usuários de drogas, grupos marginalizados nos grandes centros urbanos, a urbanização de vetores e reservatórios silvestres (macacos, gambás, morcegos e guaxinins), e a coinfecção da leishmaniose visceral em pessoas portadoras do vírus da imunodeficiência humana (HIV/Aids) tem contribuído para o aumento da letalidade na faixa etária dos 30 anos.
Um dos desafios apontados por Sílvio Carvalho para o tratamento de pacientes acometidos por leishmaniose visceral é a identificação de medicamentos específicos, eficazes e de custo baixo. Nesse sentido, resultados de pesquisas recomendam o uso da Anfotericina B Lipossomal como primeira linha de tratamento no Brasil e provavelmente em outros países da América Latina, “devido ao seu perfil de eficácia aceitável e sua menor toxicidade e tempo de administração em comparação com a monoterapia com antimoniato de meglumina”.
Entre as iniciativas de controle da leishmaniose visceral, o médico entende que “precisamos nos preocupar com a saúde única: do homem, do meio ambiente e dos animais”.
Leishmaniose tegumentar
Ainda durante a videoconferência, a médica infectologista, Izabela Bretas Santos repassou orientações sobre o diagnóstico e tratamento da leishmaniose tegumentar. Trata-se de doença infecciosa, não contagiosa, que provoca úlceras na pele e mucosas.
Seguindo a defesa da saúde única abordada por Sílvio Carvalho, a médica observou que “na luta contra as leishmanioses, nosso olhar deve ir além do parasita: é preciso enxergar as profundas raízes sociais, ambientais e educacionais que sustentam a endemia, transformando a vigilância em um compromisso integral com a saúde da comunidade e de seus animais”.
A coordenadora de Vigilância em Saúde na SRS Montes Claros, Agna Soares da Silva Menezes, destacou “a importância da atualização dos profissionais de saúde sobre as leishmanioses visceral e tegumentar, levando em conta o Norte de Minas ser região endêmica para tais agravos”.
Cenário
A referência técnica na Coordenação de Vigilância Epidemiológica na SRS Montes Claros, Arlete Gonçalves Lisboa, revela que, entre 2013 e outubro de 2025, o Norte de Minas contabilizou 2.495 notificações de leishmaniose tegumentar e 1.441 notificações de leishmaniose visceral, com ocorrência de 68 óbitos causados por esse agravo.
A leishmaniose visceral é transmitida pelo vetor Lutzomyia longipalpise, conhecido popularmente como mosquito palha, tatuquiras, birigui, entre outros. Os principais sintomas são: febre de longa duração; aumento do fígado e baço; perda de peso; fraqueza; redução da força muscular e anemia.
Apesar de grave, a doença tem tratamento gratuito disponível na rede do Sistema Único de Saúde (SUS). No Norte de Minas, o Hospital Universitário Clemente de Faria, sediado em Montes Claros, é referência para o tratamento de pacientes.
Pedro Ricardo / Foto: Izabela Bretas Santos
