João chega ao CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) querendo uma receita do remédio que melhora a ardência ao urinar. Após uma conversa inicial é convencido a passar pelos testes de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s).
Apreensivo, é chamado pela psicóloga Daiana à sala de aconselhamento para receber o resultado.
Daiana: – Vamos lá, Sr. João?
Seu João: – Desculpa te incomodar (entra na sala).
Daiana: – Não é incomodo nenhum. Estou aqui para isso! Deu tudo certinho no seu exame!
Seu João: – Graças a Deus, nossa!
Daiana: – Então vamos combinar uma coisa: É necessário repetirmos o seu exame daqui um mês. Posso marcar no seu cartão esse retorno?
Seu João: – Pode! Sabe, Doutora… eu estou meio que morando na rua. Sou viciado. Mas não bebo não! Eu até tenho 2 casas, mas estão alugadas. Fiquei em clínica de recuperação. Consegui passar 3 anos e meio sem usar nada, mas recaí… problemas da vida. Eu não aguentei!
Daiana: – Você me disse que você tem um vício. Você é viciado em quê?
João abaixa a cabeça, como quem está constrangido pelo que precisa dizer, e responde: – crack… nesse momento em crack, mas eu vou sair dessa!
Daiana: – Seu João, você sabia que todos nós temos vícios? De comprar, de comer, de sexo…. O vício faz parte do ser humano. Eu tenho certeza que você irá sair dessa situação… reconstruir laços de trabalho, de família, de amigos… Vamos considerar esse exame o momento do seu recomeço? A partir de agora você vai cuidar melhor de si mesmo. Vou marcar sua consulta e depois você vem aqui para eu ver se temos os remédios para você melhorar rápido.
Seu João: – Se eu não tratar vai piorar, né?
Daiana: – Sim! Pode aumentar a dor ao urinar.
Seu João: – Tá bom, eu vou na consulta e venho aqui depois.
Daiana: – Combinado!
A psicóloga Daiana Castilho Gonçalves Mancini, que faz aconselhamento no CTA do município de Juiz de Fora há 6 anos, diariamente atende pacientes preocupados com a possibilidade de terem contraído alguma infecção sexual. Por meio do acolhimento e condução humanizada, vai tentando tornar menos difícil a situação dessas pessoas.
“É visível a tensão que o paciente chega ao serviço, ou por vergonha de ter tido uma relação desprotegida, ou por medo do resultado do exame. Quando o usuário é acolhido, ele começa a falar sobre seu comportamento, seus medos. Nesse ponto do atendimento, digo que nenhum ser humano é vigilante o tempo todo e que falhas irão ocorrer. Apresento estratégias de prevenção que podem o ajudar. E reforço que juntos chegaremos a uma forma ideal para o caso específico dele (paciente). Então, quando chegamos ao final do atendimento o paciente diz: ‘Como estou aliviado! Como você me ajudou!’”.
Política de humanização
Há 20 anos, em 2003, foi criada a Política Nacional de Humanização (PNH), também chamada de HumanizaSUS. É um programa, segundo a própria definição, voltado para a valorização dos usuários, trabalhadores e gestores no processo de produção de saúde.
“Valorizar os sujeitos é oportunizar uma maior autonomia, a ampliação da sua capacidade de transformar a realidade em que vivem, através da responsabilidade compartilhada, da criação de vínculos solidários, da participação coletiva nos processos de gestão e de produção de saúde”, descreve o site do HumanizaSUS.
O trabalho desenvolvido pela SRS de Juiz de Fora
A Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Juiz de Fora, por meio do Núcleo de Atenção à Saúde, trabalha dando apoio aos municípios para o desenvolvimento das políticas para as populações em situação de vulnerabilidade. O estado atua com a Política Estadual de Promoção da Saúde, fazendo o repasse de recurso financeiro. São elencados também o fomento e a implementação das Políticas de Promoção da Equidade em Saúde, que são um conjunto de ações e programas pensados para promover o respeito à diversidade e garantir o atendimento integral a populações em situação de vulnerabilidade e desigualdade social.
O superintendente da Regional, Renan Guimarães de Oliveira, enfatiza a relevância da humanização no SUS.
“A aplicação dessa política é muito importante. É preciso inovar e renovar as nossas práticas para fazer com que o usuário seja bem atendido. E que ele seja devidamente encaminhado na rede SUS, para que os seus problemas sejam resolvidos, principalmente aqui na nossa região”, salienta de Oliveira.
A regional ainda, através dos Núcleos de Atenção à Saúde e Vigilância Epidemiológica em conjunto com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mantém um projeto de extensão, em que se trabalha especificamente com população em situação de vulnerabilidade. Já foram realizados seminários e atividades com profissionais de saúde dos municípios que compõem a regional, visando o desenvolvimento dessas ações. Atualmente as atenções estão voltadas para as pessoas em situação de rua com IST’s.
Sob o olhar de quem proporciona a humanização do atendimento
A psicóloga Daiana frisa o papel de um olhar mais humano no atendimento: “Tratamos a humanização como a porta de entrada do atendimento, principalmente no aconselhamento pré e pós teste. Havendo resultado positivo, seja para HIV, sífilis, ou hepatites, é necessária a adesão do paciente”, explica.
Não havendo a devida atenção, todo o tratamento fica comprometido.
“Se nesse primeiro atendimento o usuário não encontrar acolhimento, não teremos adesão ao tratamento. Até porque após o diagnóstico todo paciente passa por um processo de luto, que deve ser trabalhado pelos profissionais ao longo do tempo” alerta Daiana Mancini.
Para a psicóloga, “a humanização força uma interação entre a equipe multiprofissional e a comunicação entre todos é revista a todo momento. Essa interação fortalece o serviço, pois a equipe luta para dar certo o trabalho. Estamos na era dos protocolos que muitas vezes engessam os atendimentos em vez de nortear. Com a humanização implementada o sujeito se torna o foco e não o protocolo. A fala do paciente tem muito peso. Respeitamos o sujeito na sua composição biopsicossocial”, finaliza.
Autor: Jonathas Mendes