Durante o mês de setembro, a temática da saúde mental é o foco de diversas ações de mobilização e conscientização. De modo geral, os  transtornos mentais são caracterizados por mudanças no padrão de comportamento, na administração de pensamentos, emoções e percepções de mundo, trazendo prejuízos nas atividades diárias. Podem ser desencadeados por fatores genéticos, nutricionais, infecções perinatais, estresse e outros fatores externos, como episódios traumáticos.

Os números de pessoas que vivenciam algum tipo de transtorno mental evidenciam a necessidade de conscientização e desmistificação das características dos transtornos, bem como dos benefícios do cuidado adequado.

 

Oferta do cuidado

O Sistema Único de Saúde (SUS) possui serviços para assistência de toda a população. A referência técnica da rede de atenção psicossocial da Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Varginha, Luana de Sousa Silva, explica que, para buscar ajuda, “o usuário deve procurar a Unidade Básica de Saúde mais próxima da sua casa, ou Centro de Atenção Psicossocial do seu município, que possui profissionais de saúde qualificados para atender”.

Luana ressalta que a Política Estadual de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas (PESMAD), instituída pela Resolução SES/MG Nº 5.461, de 19 de outubro de 2016, preconiza que o cuidado em saúde mental para pessoas com transtorno mental e/ou necessidades decorrentes do uso prejudicial de álcool e outras drogas, seja realizado nos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Referência técnica da Rede de Atenção Psicossocial da SRS Varginha, Luana de Sousa Silva - Foto: SRS Varginha

A RAPS é uma rede de serviços regionalizada de base territorial e comunitária, onde a atenção deve ser realizada o mais próximo possível do usuário. Esses serviços devem atuar de forma articulada, inclusive com outras áreas, como assistência social, educação, e direitos humanos, para garantir o cuidado efetivo.

 

Diagnóstico e subnotificação

Os diagnósticos costumam ocorrer, em grande maioria, a partir da adolescência. Alguns sintomas, quando presentes sem estímulos externos, podem ser indicativos de que é preciso aconselhamento profissional para um diagnóstico adequado e diferenciação de doenças. De um modo geral, os transtornos mentais apresentam sintomas que variam desde: alterações de apetite, variações de humor, reações desproporcionais, apatia, dificuldade de concentração, insegurança, medos excessivos, pensamentos recorrentes de morte ou suicídio, agitação ou lentificação de fala e movimento, insônia ou hipersonia, tendência ao isolamento social, ansiedade, irritabilidade, impulsividade ou senso de perigo comprometido.

A subnotificação das doenças mentais também é alarmante. Ainda de acordo com a OMS, em países de baixa e média renda, entre 76% e 85% das pessoas com transtornos mentais não recebem tratamento. Em países de alta renda entre 35% e 50%, das pessoas com transtornos mentais, estão na mesma situação.

 

CAPS - Centro de Atenção Psicossocial

Anne Caroline Borges Viana, 27 anos, moradora de Varginha, recebeu o diagnóstico de esquizofrenia e retardo mental moderado em 2014, aos 18 anos. A percepção dos sintomas por ela começaram na adolescência. “Minhas mãos suavam frio, tinha taquicardia e necessidade de isolamento social. Comecei a ir mal na escola e iniciei acompanhamento com psicólogo.  Com 17 anos parei de estudar, tinha muita insônia, brigava muito com as pessoas mais próximas, tinha sensações de perseguição e ameaças. Em uma crise, precisei ser hospitalizada e fui encaminhada para avaliação de um psiquiatra. Neste tempo tentei voltar a estudar três vezes, tive anorexia e cheguei a pesar 37 kilos”, conta.

Depois do diagnóstico correto, ajuste de medicações e auxílio terapêutico, Anne concluiu os estudos pelo EJA e foi aprovada em um concurso público municipal. Após um tempo, desistiu do cargo. Atualmente trabalha na iniciativa privada em uma vaga conquistada em um processo seletivo para pessoas com deficiência (PCD). Para ela, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) tem um papel fundamental na sua história.

“O CAPS me acolheu e me deu todo suporte que eu precisava, desde dentista, psicóloga, cartão de ônibus especial. Fui encaminhada para tratamento odontológico gratuito na policlínica, e consegui resgatar minha autoestima”, conta Anne. Ela vai ao CAPS uma vez por semana conversar com a psicóloga.  A consulta com a psiquiatra é uma vez ao mês. Lá Anne tem acesso a toda medicação de que precisa. “Hoje em dia estou trabalhando e levando a vida normal, ando sozinha na rua, resolvo minhas coisas. Meu objetivo é ter minha casa, com meus animais de estimação. Tenho muitos sonhos e um deles é ter a minha família. No começo, antes da ajuda certa, tudo é muito difícil, mas tratando certinho tudo vai indo bem”, reforça.

 

Apoio a familiares

O CAPS também oferece apoio aos familiares dos usuários. Em algumas unidades os encontros são mensais e pode ser solicitado apoio terapêutico específico. João Francisco (nome fictício) é pai de um assistido pelo CAPS AD (Centro de Apoio Psicosocial - Álcool e Drogas), em tratamento de depressão e uso abusivo de álcool e drogas. Ele relata que o apoio dos diversos profissionais da unidade é fundamental para a relação familiar.

“A gente vive um misto de sentimentos muito grande, a gente quer e precisa cuidar, mas ao mesmo tempo às vezes se sente impotente porque nem sempre é fácil fazer com que ele aceite a medicação e fique longe da bebida, por exemplo”, diz. “A terapia tem me ajudado muito a entender certas questões e lidar no dia a dia. A família precisa de cuidado, quem cuida de qualquer pessoa doente também precisa de cuidado, porque senão todo mundo adoece”, desabafa o pai.

O fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), evoluções legais na saúde, nos direitos humanos e a reforma psiquiátrica foram fundamentais para a articulação dos modelos substitutivos aos manicômios, conferindo tratamentos mais humanizados e justos.

Anderson José de Souza, psicólogo e coordenador da saúde mental do município de Varginha explica que “por muitos anos as pessoas com transtornos mentais graves eram retiradas da sociedade e levadas para manicômios. Hoje em dia, com os CAPS, é possível fazer esse tratamento ambulatorial próximo da família e próximo da comunidade”, diz o coordenador. “Quando a pessoa percebe que seus comportamentos estão afetando a vida social, trabalho ou a relação familiar, deve procurar ajuda”, explica o psicólogo. “Os familiares, da mesma forma, quando percebem que a pessoa não está conseguindo levar adiante seus compromissos, sejam de trabalho ou de relações sociais, devem recorrer aos CAPS”, orienta Anderson.

 

Humanização, arte e interação com pacientes  

O CAPS II de Varginha, localizado na Vila Paiva, teve a fachada renovada por meio do “projeto arte no muro”, realizado em abril de 2022, pelo artista plástico Kaká Chazz em parceria com os pacientes atendidos no local. Os desenhos foram definidos após diversas reuniões com os pacientes, ouvindo o que eles desejavam expressar pela arte, e a pintura foi executada por Kaká com o apoio dos assistidos. O muro, que antes podia representar a segregação, virou obra de arte feita a várias mãos, retratando liberdade, expressão cultural e humanização.

Fachada do CAPS de Varginha, feita com a colaboração dos internos - Foto: Thayane Viana

Com o fortalecimento dos CAPS, nas últimas décadas, foi possível maior humanização do tratamento, vendo a pessoa que tem um transtorno mental além dos seus sintomas.

A integração com a Atenção Básica em Saúde também é fundamental para um tratamento multifocado, atendendo também às necessidades de cuidados físicos do paciente, que pode ter outras comorbidades e devem ser percebidas em uma escuta mais qualificada.

Para o coordenador Anderson, o acolhimento é um grande diferencial no sucesso do tratamento. “O jovem que chega lá em sua primeira crise, por exemplo, chega confuso, sem entender o que está acontecendo, cheio de dúvidas. Então, temos que ter uma equipe de profissionais preparados para receber, acolher e dar o melhor direcionamento sem estigmatizá-lo como portador de transtorno mental, mas sim como uma pessoa de possibilidades e uma pessoa que tem seus desejos também”, explica. “Isso é muito importante a gente ter em mente: que aquela pessoa tem desejos para a vida dela”, completa o coordenador.

 

CAPS da SRS Varginha

Nos 50 municípios da área de abrangência da Regional de Saúde de Varginha, existem atualmente 27 CAPS, nas modalidades I, II, Infantojuvenil, AD e AD III, segmentados por população atendida. Muitos desses, além dos pacientes de seus territórios, atendem também a municípios referenciados.

Levantamento feito pela Diretoria de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (DSMAD), da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), mostra que neste ano, a  produção ambulatorial dos 5 CAPS da microrregião de Varginha, composta por 5 municípios,  é de 16.422 atendimentos. Os dados foram extraídos do DATASUS.

 

Dados  da Organização Mundial da Saúde (OMS) 

Em 2019, quase um bilhão de pessoas, incluindo 14% dos adolescentes do mundo, viviam com algum transtorno mental. O suicídio foi responsável por mais de uma em cada 100 mortes e 58% dos suicídios ocorreram antes dos 50 anos de idade.

Na América Latina, o Brasil é o país com maior prevalência de depressão, sendo este o transtorno mental mais comum e uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo. Globalmente, estima-se que atinge cerca de 300 milhões de pessoas. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2019, mostrou que 10,2% das pessoas com 18 anos ou mais receberam o diagnóstico de depressão no país. Estados do sudeste têm 11,5% de adultos com diagnóstico confirmado de depressão.

Outras síndromes também têm alta prevalência. O transtorno bipolar afeta cerca de 60 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo característico pelas alterações do humor, com alternâncias entre períodos de depressão, períodos de euforia ou sentimentos mistos. Essas fases são bem definidas e têm duração de alguns dias, até meses.

A esquizofrenia é um transtorno mental grave que afeta cerca de 23 milhões de pessoas em todo o mundo. É caracterizada por distorções no pensamento, percepção, emoções, linguagem, consciência do “eu” e comportamento. O paciente pode ter percepções auditivas e visuais diferentes da realidade percebida pelas outras pessoas.  

A demência, mundialmente, afeta cerca de 50 milhões de pessoas. A condição é geralmente de natureza crônica ou progressiva, na qual há deterioração da função cognitiva, para além do que se poderia esperar no envelhecimento normal, afetando memória, pensamento e orientação. Há ainda outras doenças, que de mesmo modo, precisam ter seus sintomas e tratamentos desmistificados.

Para mais informações sobre saúde mental e os serviços ofertados pelo SUS em Minas Gerais, acesse: https://www.saude.mg.gov.br/saudemental/saudementalvida

Por Thayane Viana

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