Saúde amplia rede de hospitais de referência para atender mulheres e meninas vítimas

A violência sexual afeta pessoas de todas as classes sociais, raças, etnias e orientações sexuais. No entanto, entre os anos de 2017 e 2021, dentre os mais de 20 mil casos registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 86% das vítimas são do sexo feminino. Por causar consequências severas e devastadoras na saúde física e mental das vítimas, a violência sexual é considerada um problema estrutural e de saúde pública.

Segundo a especialista em Políticas e Gestão de Saúde da Coordenação Materno Infantil da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), Laura Rayne Miranda Mol, um atendimento rápido e acolhedor no sistema de saúde é fundamental para minimizar as consequências da agressão. “Toda relação sexual não consentida é violência sexual. E violência sexual é crime. Toda pessoa que passar por isso deve ser acolhida e protegida. A vítima nunca é culpada e deve ser encaminhada para atendimento, de preferência nas primeiras 72 horas. A rapidez no atendimento reduz a possibilidade de infecções sexualmente transmissíveis e de gravidez decorrente dessa violência”, explica.

Nesse contexto, um dos grandes desafios para enfrentar essa violência é a articulação e integração dos serviços e do atendimento humanizado e integral às vítimas. Em 2022, a SES-MG ampliou a Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e definiu os hospitais de referência para garantir uma atenção humanizada às vítimas de violência sexual em cada microrregião de saúde do estado.

Os hospitais de referência possuem dois níveis de atendimento. Os hospitais tipo I, que realizam o atendimento humanizado, integral e multidisciplinar com acolhimento, atendimento clínico, profilaxia para HIV e outras IST, testagem rápida para o HIV e outras IST, anticoncepção de emergência e coleta de vestígios. Já os hospitais de tipo II são aqueles que realizam as ações da Tipo I e também a interrupção da gestação, como garantido em lei.

A lista com os 108 hospitais de referência e unidades de saúde em Minas Gerais que as vítimas devem procurar para receber atendimento humanizado em caso de violência sexual está disponível neste documento.

O que é violência sexual

Qualquer ação na qual uma pessoa, fazendo uso de manipulação, chantagem, intimidação, suborno, ameaça ou força física, obriga outra pessoa a presenciar, participar ou ter relação sexual não desejada é considerada violência sexual.

“A violência sexual pode acontecer em qualquer lugar, na rua ou dentro de casa, e pode ser praticada por pessoas desconhecidas, por pessoas de convivência próxima ou da família. Em alguns casos, a pessoa agressora pode ser alguém com quem a vítima tem ou teve uma relação afetiva, como namoro ou mesmo casamento. No caso de crianças e adolescentes, a grande maioria das abusadoras e dos abusadores é de confiança da família e da própria criança, como cuidadores, pais, padrastos, irmãos, tios, avós ou amigos de familiares”, explica Laura.

O estupro, por sua vez, é uma forma de violência sexual em que uma pessoa é forçada, com violência ou grave ameaça, a ter relação sexual com penetração ou outro tipo de contato com as partes íntimas, seja vaginal, anal ou oral. Relações sexuais com menores de 14 anos, ainda que se alegue consentimento, configuram crime de estupro de vulnerável, nos termos do Código Penal.

“A lei presume que nessa faixa etária não há condições necessárias para consentir com a prática sexual. Essa situação também acontece quando a pessoa, mesmo com mais de 14 anos, não estiver em condições de concordar com o ato sexual, por exemplo, quando estiver sob efeito de álcool ou outras drogas, quando estiver dormindo e também no caso de ter alguma enfermidade ou deficiência intelectual que a impeça de tomar decisões ou de se defender”, completa a especialista da SES-MG.

Acolhimento

Como consequências da violência sexual, podem ocorrer danos emocionais, lesões físicas, infecções sexualmente transmissíveis e gravidez. O acolhimento e atendimento adequado e no tempo oportuno em uma unidade de saúde contribui para reduzir o impacto dessas consequências.

“Diante de um caso ou situação de violência sexual, a pessoa deverá se dirigir ao Pronto Atendimento de um dos hospitais indicados, quando então será acolhida pela equipe. Para ser atendido não é necessário ter um Boletim de Ocorrência ou qualquer tipo de encaminhamento”, explica Laura.

Ao chegar em uma unidade de saúde, a vítima tem direito a ser acolhida e receber os primeiros atendimentos. O profissional deve avaliar cada caso e, se necessário, tratar as lesões, solicitar exames para diagnóstico de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), aplicar medicamentos e vacinas para prevenção e tratamento das ISTs, como HIV e hepatites virais, tétano, dentre outras medidas.

A pílula do dia seguinte deve ser disponibilizada para prevenção da gravidez e, além disso, em casos de concepção em decorrência do estupro, a interrupção da gestação é um direito da mulher. “O aborto deve ser realizado pelo hospital de referência ou por uma instituição que o realize. Nesses casos, não é necessário ter boletim de ocorrência ou pedir autorização judicial”, enfatiza Laura.

Nos hospitais também ocorre a coleta de materiais (peças de roupa, sêmen, sangue, saliva ou cabelo) para posterior reconhecimento da pessoa agressora, se for desejo da vítima. O ideal é que a vítima não se lave e não troque a roupa que usava no momento do crime, pois ela será recolhida no hospital de referência. Caso precisar se trocar, a vítima não deve tomar banho. Além disso, é recomentado guardar peças de roupa e demais objetos que possam conter sêmen, sangue, saliva ou cabelo da pessoa agressora e auxiliem a investigação.

“Denunciar a violência para a polícia, além de ser um direito, pode evitar novas agressões. É importante agir rapidamente: cuidar primeiro da saúde e depois buscar atendimento policial para a responsabilização do agressor”, pondera.