Primeiro serviço ambulatorial de atenção especializada no processo transexualizador da saúde pública estadual, destinado à população trans (travestis e transexuais) de Minas Gerais, o Ambulatório Trans Anyky Lima, do Hospital Eduardo de Menezes (HEM), da Rede Fhemig, completa hoje (12/9) seis meses da ampliação do seu horário de atendimento, com um saldo de quase 500 usuários atendidos e a garantia da continuidade do tratamento por meio das consultas de retorno.

Como esclarece a gerente assistencial do HEM, Tatiani Fereguetti, “a ampliação foi realizada para assegurar que o paciente seja submetido a todos os atendimentos necessários, num período de tempo adequado às suas necessidades, garantindo-se, assim, a efetividade do cuidado”. Com a ampliação do horário, equacionaram-se as consultas de retorno que eram o grande gargalo do atendimento, principalmente, levando-se em conta que, além de Belo Horizonte, o ambulatório recebe pessoas de outras 53 cidades mineiras.

Construção coletiva

A nova dinâmica de atendimento, construída em conjunto com os usuários, consolida o papel do ambulatório na prevenção e redução de danos, como por exemplo nos casos de automedicação pelo uso inadequado de hormônios, e de utilização de silicones industriais, dentre outras questões. Além disso, o ambulatório assegura o acesso à saúde a uma população que apresenta expectativa de vida de apenas 35 anos de idade, em razão de processos históricos de discriminação e exclusão social, e contribui, de forma efetiva, para diminuir a invisibilidade desses indivíduos.

Usuário do serviço, o segurança Vitor Campos, de 27 anos de idade, afirma que, mesmo quando não tem consulta marcada, costuma vir ao ambulatório porque se sente acolhido tanto pelos profissionais, quanto pelos usuários. “Os profissionais nos dão todo o suporte que a gente precisa. Com a ampliação do horário de atendimento, facilitou muito a minha vida. Na rede privada, eu não tinha o suporte que tenho aqui. Não é simplesmente dar atendimento, eles dão suporte para nós e para a nossa família”, assegura.

Créditos: Alexandra Marques

A cabeleireira e aderecista carioca, Jullyanah Fonte, de 27 anos, mora em Belo Horizonte há um ano. Sua história de vida mudou depois que chegou ao ambulatório trans. Graças aos contatos com usuárias do serviço, conseguiu um lugar para morar. Até então, ela e o marido estavam desabrigados. Agora, faz bicos na área de eventos e como cabeleireira. “Isso aqui (o ambulatório) é um recomeço de vida. A partir do momento que chegamos aqui, tomamos consciência dos nossos direitos, é muito gratificante para mim e para todas as meninas”.

Jullyanah, que iniciou o processo de hormonização no HEM há quase cinco meses, está em processo de retificação do nome, e tem planos de fazer faculdade de Serviço Social, “pois quero ajudar outras meninas a se acharem. Nós somos seres humanos”, reflete.

Espaço de reconhecimento

Para a coordenadora técnica do ambulatório, a psicóloga e doutora na temática da transgeneridade, Andreia Reis, o serviço tem um papel fundamental na vida das pessoas por ele assistidas. “Ele representa um espaço para o reconhecimento, acolhimento e expressão de suas identidades. Local no qual elas buscam uma referência para a construção do gênero, além de ser um espaço de socialização”, pondera.

“Ofertamos um atendimento humanizado na área da saúde, muitas vezes negado a esse grupo de pessoas por discriminação e preconceito, direcionado à saúde integral e ofertado por profissionais altamente qualificados e, o mais importante, envolvidos no serviço”, resume Andreia Reis.

Papel formador

Ainda de acordo com a coordenadora técnica, o ambulatório exerce um outro papel, não menos importante, como núcleo de formação profissional. “Há muita demanda de outras instituições da região metropolitana para a capacitação de suas equipes no atendimento dessa população”, esclarece. Além disso, o ambulatório produz dados que permitem situar e subsidiar as demandas na área, o que reforça o seu papel como centro formador.

O ginecologista e especialista em sexualidade humana, Eduardo Fernandes, que atua na equipe multidisciplinar do ambulatório trans há um ano e meio, conta que é a primeira vez que vive a experiência de trabalhar nesse tipo de serviço. “Eu tive uma mudança de olhar, sai de uma ideia técnica, para acolher um indivíduo que precisa se afirmar. A gente escuta mais, não é só uma questão de receber e receitar. Isso nos engrandece como profissionais”, revela.

Créditos: Alexandra Marques

Também membro da equipe multidisciplinar, o psiquiatra Miguel Castro, ressalta o fato que a população LGBTI apresenta peculiaridades de atendimento à saúde. Como exemplo, ele afirma que faz parte das boas práticas do atendimento, a compreensão, por parte dos profissionais, da necessidade do apoio moral diante da incongruência de gênero, assim como a orientação sobre retificação do nome e do gênero, dentre outros aspectos relacionados à singularidade desses indivíduos.
“Do ponto de vista da saúde mental, essa população ainda tem uma prevalência maior de sofrimento psíquico, na forma de transtornos depressivos e ansiosos e ideação de suicídio, provavelmente pelo histórico de preconceito e violência aos quais foram submetidos ao longo da vida”, reitera o médico.

Credenciamento

Segundo a diretora do HEM, Virgínia Andrade, o credenciamento do ambulatório, pelo Ministério da Saúde, na modalidade ambulatorial, foi solicitado assim que o serviço teve início em novembro de 2017. Em maio deste ano, foram realizadas atualizações da documentação. Cabe ressaltar que o funcionamento efetivo do ambulatório é pré-requisito para o credenciamento.

“Agora, tudo depende da tramitação no Ministério da Saúde. O credenciamento representa o reconhecimento da existência do ambulatório e o habilita a receber recursos do Ministério”, ressalta a diretora.

Prêmio

Em julho deste ano, o Ambulatório Trans Anyky Lima recebeu o Prêmio Direitos Humanos e Cidadania LGBT 2019, por sua atuação pelo respeito à diversidade sexual e visibilidade da população LGBTI.

O prêmio foi criado há 15 anos pelo Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (CELLOS/MG). Organização não governamental, sem fins lucrativos, que tem como missão suscitar o protagonismo social e político de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, bem como atuar na defesa dos direitos humanos, pela efetivação da cidadania LGBTI e no enfrentamento da LGBTIfobia.

A premiação reconhece o trabalho desenvolvido por organizações da sociedade civil, instituições públicas, parceiros e personalidades que contribuem para a visibilidade e fortalecimento da cidadania LGBTI em Minas Gerais e no Brasil. Em 2016, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS) no Brasil também foi contemplado.

“O prêmio significou que estamos no caminho certo”, resume Virgínia Andrade.

Para Miguel Castro, o prêmio representou o reconhecimento do trabalho pela própria população assistida pelo ambulatório, “e o reforço de que a construção coletiva, junto com a população assistida, faz a diferença na condução dos casos. O sucesso do acompanhamento está diretamente relacionado ao bom vínculo dos usuários com a equipe. E o prêmio aponta que esse vínculo tem sido construído de forma bem sucedida”, pontua o psiquiatra.

Eduardo Fernandes conta que a premiação foi uma excelente surpresa. “Foi uma felicidade geral. Na cerimônia, tivemos a oportunidade de encontrar várias pessoas que atuam na área. Mostrou que estamos no caminho certo. Na área da saúde, somente o HEM foi premiado, o que coloca em evidência o nosso serviço”, comemora o ginecologista.

Serviço
Ambulatório Trans Anyky Lima – Hospital Eduardo de Menezes
Atendimento: quinta-feira, das 7h30 às 19 horas. As consultas são agendadas por telefone.
Telefone: 3328-5055
Endereço: Rua Doutor Cristiano Resende, 2213, Bom Sucesso, Belo Horizonte

Por Alexandra Marques / Fhemig