No Brasil, o número de casos de intoxicação por medicamentos aumentou quase 30% entre 2006 e 2016, de acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em 2016, o número de casos registrados sobre intoxicação medicamentosa foi de mais de 20 mil. Dentre estes, 42 óbitos por medicamentos foram confirmados. Entretanto, o próprio Sinitox admite que o número pode ser muito maior, em virtude da diminuição da participação dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATs) nestes levantamentos.

Dados mais recentes do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, indicam uma tendência crescente de casos por intoxicação medicamentosa desde 2005, quando a taxa de casos registrados passou de um por um milhão de habitantes. Entre as principais causas de óbitos envolvendo fármacos estão casos como tentativa de suicídio, erro de administração, automedicação e polifarmácia (a administração de vários medicamentos diferentes concomitantemente e em tratamento prolongado a um paciente). Os idosos estão no grupo de vítimas mais frequentes.

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A principal causa de óbitos relacionados a medicamentos em menores de 15 anos, de acordo com o critério usado no trabalho de conclusão de curso do estudante Guilherme Rabelo Querino, servidor do Serviço de Controle de Amostras e Documentação da Fundação Ezequiel Dias (SCAD/Funed), foi a agranulocitose – caracterizada pelo desaparecimento dos leucócitos e que se manifesta por ulcerações nos intestinos ou em outras mucosas, na garganta e na pele. A agranulocitose já foi descrita para vários medicamentos como dapsona, clozapina, metimazol, dipirona e fenilbutazona.

Por meio do trabalho de Guilherme, também foi possível concluir que a segunda principal causa de óbitos em menores de cinco anos foi a síndrome de Reye, uma forma rara de encefalopatia aguda e infiltração gordurosa no fígado que tende a ocorrer após algumas infecções virais agudas. “Estudos indicam que existe correlação entre a elevada ingestão de ácido acetilsalicílico por crianças com o aparecimento da síndrome de Reye, não sendo recomendada a prescrição deste medicamento para crianças em estado febril e com doença viral”, ressalta Querino.

O principal grupo de óbitos foi proveniente das úlceras de estômago e duodeno. As úlceras apresentam relação com o consumo de anti-inflamatórios não esteroides (AINES), medicamentos que são consumidos recorrentemente pela polução, tal como: ácido acetil salicílico, ibuprofeno, piroxicam, diclofenaco, entre outros.

Perfil Epidemiológico

Na pesquisa feita por Querino, foi possível identificar o perfil epidemiológico do grupo mais acometido pelos óbitos relacionados a medicamentos. Em recente apresentação no Quinta às Duas, evento promovido pela Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento (DPD), da Funed, cujo tema foi: Perfil epidemiológico da mortalidade relacionada a medicamentos no Brasil, Guilherme apresentou as considerações que fez em seu trabalho. Com a pesquisa, pode-se perceber que os grupos populacionais que apresentaram maior número de óbitos foram:

  • Sexo: masculino (54,1%)
  • Estado civil: casados (37,4%)
  • Escolaridade: 1 a 3 anos de estudo (18,5%)
  • Faixa etária: superior a 65 anos (54,5%)
  • Raça/cor: branca (54,3%)
  • Locais de ocorrência: hospitais (81,5%)
  • Região: sudeste (53,4%)

Em seu trabalho, Querino teve ajuda do pesquisador Nery Cunha Vital, assessor da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Funed.

Problema de saúde pública

De acordo com o Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil, promovido pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) em parceria com a Faculdade de Medicina da UFMG, anualmente, ocorrem 421 milhões de internações hospitalares e 42,7 milhões de eventos adversos, que inclui erros de dosagem ou aplicação de medicamentos, infecção hospitalar, uso incorreto de equipamentos, entre outros. Em 2016, 302.610 brasileiros morreram em hospitais como consequência de um desses eventos adversos.

Ainda segundo o documento, cerca de 829 brasileiros morrem diariamente em hospitais públicos e privados por falhas que poderiam ser evitadas, sendo esta a segunda causa de morte mais comum no país. Apesar do estudo de Guilherme não ter se concentrado nos índices da automedicação, este ainda é um problema grave e pouco discutido na sociedade.

Em países norte-americanos, como nos Estados Unidos, por exemplo, os eventos adversos causam cerca de 400 mil óbitos por ano, pouco mais de 1.000 mortes por dia. Entretanto, ainda que o total de mortes seja próximo ao da realidade brasileira, a população norte-americana era 55,6% maior que a do Brasil, em 2017. Tal fato foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como um problema mundial de saúde pública.

 

Por Daniel Nolasco/ Funed