Pioneiro no tratamento aos usuários de álcool e outras drogas no serviço público brasileiro, o Centro Mineiro de Toxicomania (CMT), da Rede Fhemig, há quase quatro décadas, antes mesmo da Reforma Psiquiátrica, trabalha com a lógica do tratamento em liberdade. Responsável pela formação de pessoal especializado para o Sistema Único de Saúde (SUS), sua parceria, estabelecida há dois anos, com a Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Betim), por meio do Internato de Saúde Mental, contribui para a formação de profissionais com uma visão humanizada no âmbito da saúde e não apenas no campo da psiquiatria.

Crédito: Divulgação Fhemig

Desde o primeiro semestre de 2017, estudantes da disciplina Internato de Saúde Mental, do 9º período do curso de Medicina da PUC Betim, realizam estágio obrigatório no CMT, que consiste em três semanas de atuação na unidade. São seis acadêmicos a cada ciclo. Eles atuam nas diversas áreas do serviço e cada um fica responsável por um caso clínico, com a supervisão dos professores e da equipe do CMT. Nos últimos dois anos, passaram pelo CMT uma média de 170 estudantes.

Construção dos casos

“Eles tem nos ajudado a fomentar a construção dos casos e os projetos terapêuticos de cada usuário, promovendo articulações com a rede, no âmbito do cuidado da atenção psicossocial”, ressalta a diretora do CMT, Mônica Borges. Já a psicóloga e professora do Internato de Saúde Mental, Cláudia Generoso, salienta que a partir dos portfólios é possível perceber o reflexo das experiências do CMT, “que vão repercutir diretamente na sua formação profissional como futuros médicos, com uma visão mais humana”.

“Minha passagem pelo CMT me rendeu um sentimento indescritível de vontade de voltar e trabalhar naquele local. Acredito que muito disso tenha vindo das novas possibilidades de trabalho e intervenção que encontrei dentro das oficinas e experiências coletivas. Foi ali que aprendi que oficina é muito mais que uma atividade de passatempo. Oficina liberta o pensamento”, conta a estudante Júlia Binda, de 22 anos.

Dinamismo

“O Internato de Saúde Mental da PUC Betim tem tornado a permanência dia mais dinâmica, mais viva e de maior interação com o usuário”, resume a diretora do CMT. Segundo ela, o internato está numa relação íntima com o fazer prático das ações do CMT. 

“É uma construção muito dinâmica. Uma conversa com o usuário, a partir da qual o aluno vai construir intervenções mais positivas para o usuário. Os alunos agem de forma ativa, junto com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)”, completa Cláudia Generoso, que ressalta ainda que o internato de saúde mental é uma ação pioneira da PUC Betim e tem a interdisciplinaridade como uma de suas principais características.

A permanência dia é um dos dispositivos do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que possibilita o acompanhamento mais próximo do usuário, nos casos mais graves e em crise. Consiste num espaço coletivo de convivência, de maior interação, no qual o usuário estabelece um intervalo na sua relação prioritária com as drogas, o que possibilita a construção de outros caminhos para além do uso dessas substâncias. 

Resposta efetiva

A cada três semanas, o internato dá uma resposta efetiva no campo das possibilidades de expressão do usuário. Em geral, isso ocorre pelo investimento na ação criativa, a fim de potencializar as várias outras dimensões da vida da pessoa e permitir que o usuário retome o contato com a realidade. São realizadas gincanas, shows de talentos, peças teatrais com encenação da história de vida dos usuários e construção do roteiro com a participação ativa deles, assim como bailes de máscaras, festas temáticas, dentre outros recursos criativos e lúdicos.

A futura médica Isadora Campos, de 25 anos, sublinha o fato que as pessoas que procuram o CMT não chegam na unidade com uma queixa específica ou com um problema específico para os profissionais que irão acompanhá-lo resolver. “Isso requer muito mais recursos pessoais e profissionais para ajudar aquela pessoa. Antes do internato, aqui no CMT, eu não tinha dimensão dessa realidade social, eu tinha uma visão reduzida do problema”, reflete Isadora.
Sua colega de estágio, Juliana Zerbini, de 23 anos, conta que tinha muita expectativa em relação ao CMT. “É uma forma de abordagem diferente do consultório. A experiência aqui permite aprender numa perspectiva diferente, a gente tem muito mais contato com a realidade deles, com as questões familiares e sociais e com a relação deles com as substâncias”, pondera a estudante.

Para Hugo Mafra, de 22 anos, o CMT é um local completamente diferente. Segundo ele, “os diagnósticos se misturam com as substâncias. É necessário saber separar a relação entre o diagnóstico da estrutura e do abuso, eles estão muito misturados aqui dentro. Aqui a gente tem que entender o papel do abuso da droga na vida do paciente. Muitas vezes, o abuso é um resultado e não a causa do quadro do paciente. Essas questões hoje estão muito presentes na saúde e essa experiência agrega muito na nossa formação profissional”, reflete Hugo.

RAPS

A Rede de Atenção Psicossocial é composta por serviços substitutivos à lógica manicomial. O CMT (que é um CAPS AD 3) compõe a Rede de Saúde Mental do Município de Belo Horizonte, e trabalha alinhado com a orientação da Coordenação Municipal de Saúde Mental da cidade. 

Segundo Mônica Borges, o usuário poder escolher se tratar é um fator que explicita a efetividade das ações terapêuticas do CMT, ao possibilitar que esse indivíduo possa construir soluções mais viáveis para sua vida, tendo em vista a complexidade de sua relação com a realidade, e sem precisar romper com o seu cotidiano. 

Como salienta a diretora do CMT, a construção das redes é fundamental ao permitir a rearticulação do usuário à vida em sociedade, com, por exemplo, a retomada de sua vida escolar, sua reinserção no mercado de trabalho, dentre outros aspectos. “O estar no CMT torna o usuário corresponsável pelo processo de reconstrução da sua saúde no sentido mais amplo”, finaliza Mônica.

Por Alexandra Marques

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