O Centro Mineiro de Toxicomania (CMT) recebeu, no dia 07 de dezembro, autorização do Ministério da Saúde para atuar como Centro de Atenção Psicossocial 3 (Caps Ad 3). Desde então, a unidade passa a ser designada por Centro Mineiro de Toxicomania – Cersam Ad Centro-Sul.

A habilitação foi a última etapa do processo que permitiu ao CMT oferecer hospitalidade noturna a seus usuários. O credenciamento resultou de uma parceria entre o CMT, o Colegiado de Saúde Mental (criado em 2015) e a Diretoria Assistencial da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), orientados pela política de saúde mental de Belo Horizonte e pelas políticas de álcool e outras drogas do Ministério da Saúde.

O processo de credenciamento foi um projeto de ampliação do atendimento da unidade iniciado na gestão da diretora Daniela Dinardi, em março de 2015, e finalizado pela nova diretora Mônica Quadros, que assumiu a gestão em setembro deste ano. No dia 03 de setembro, houve a abertura de quatro leitos destinados ao atendimento noturno e, pouco mais de três meses depois, o Ministério da Saúde autorizou a habilitação.

Atenção integral

Na prática, isso significa que a unidade passa a oferecer atenção integral em saúde mental, com funcionamento 24 horas. “Agora, estamos colhendo os frutos de um trabalho de quase quatro anos. No noturno trabalham enfermeiros e técnicos de enfermagem e a retaguarda é realizada pelo Serviço de Urgência Psiquiátrica de Belo Horizonte (SUP), que dá o aporte do profissional médico”, ressalta Mônica.

Como Caps Ad 3, o CMT se torna referência para as regionais Centro-Sul e Leste da capital mineira, e atua de forma integrada aos dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), como os centros de saúde dos distritos Centro-Sul e Leste, consultório de rua Centro-Sul, centros de convivência, unidades de acolhimento transitório, Serviço de Urgência Psiquiátrico (SUP) Upa, Samu e demais cersam’s.

“Além disso, participamos das supervisões clínicas mensais dos distritos Centro e Leste, das reuniões de microáreas e dos fóruns de discussão dos trabalhadores. E assim vamos sustentando o cuidado em liberdade e o processo de reforma psiquiátrica na nossa cidade e no nosso país”, pondera a terapeuta ocupacional e ex-diretora do CMT, Daniela Dinardi.

Serviço em liberdade

Mônica Quadros destaca como maior ganho do credenciamento a possibilidade de se garantir aos usuários um suporte integral, no sentido de que não é mais necessário o encaminhamento para unidades externas, “a gente faz as vias de uma internação, mantendo a premissa primordial do serviço em liberdade”, sublinha. Em sua rotina habitual, nos últimos três anos, a unidade atendeu a uma média anual de mais de 600 pacientes cadastrados.

Numa avaliação recente, realizada com a equipe multiprofissional do CMT, ficou claro o quão importante é a continuidade do cuidado com a hospitalidade noturna. “Os usuários também têm sinalizado de forma positiva. Eles, surpreendentemente, deram mostras de compreender a hospitalidade noturna como ponto importante do cuidado e sua destinação a usuários mais graves e em crise”, revela Mônica.

Ganho para a cidade

A avaliação da demanda para a hospitalidade noturna é realizada diariamente pela equipe multiprofissional do CMT. “Tem usuário que fica uma semana, outro um ou alguns dias. A permanência depende do perfil de cada um, do seu plano terapêutico singular”, conta Mônica.

Com o credenciamento, o CMT integra o sistema de leitos de Belo Horizonte, o que implica em um ganho importante para a cidade, que passa a contar com mais quatro leitos (a se somar aos cerca de 70 leitos já existentes em todo o sistema). Segundo Mônica, o CMT “compõe e fortalece a Rede Municipal de Belo Horizonte (Rede SUS BH) que não existia até então, pois não havia pactuação com a rede de urgência”, o que dificultava o encaminhamento dos pacientes para outras unidades, pois não havia uma interlocução mais aprofundada com os diversos integrantes dos serviços de saúde mental, esclarece a diretora.

35 anos

2018 foi um ano importante para os mais de 70 servidores (entre pessoal administrativo e da assistência) que atuam no CMT, pois além da conquista da certificação, eles também comemoraram os 35 anos da unidade que, até 2008, por duas décadas e meia, foi o único serviço de BH para atendimento à população usuária de álcool e outras drogas (a partir de 2008, mais três caps ad foram criados na cidade e integrados à rede de atenção psicossocial).

A comemoração dos 35 anos do CMT se deu no contexto da 27ª edição de sua tradicional Jornada de Trabalhos, que anualmente reúne profissionais da saúde mental de Minas Gerais e de outros estados do país e que, este ano, contou com mais de 300 participantes. A Jornada trouxe como tema uma indagação: “em nome do mercado: quanto vale a sua ética?”. Durante os dois dias do evento (30 e 31 de agosto), os participantes foram convidados a pensar a política, a clínica e a formação a partir desse questionamento.

As conferências e as mesas de trabalhos possibilitaram o ingresso dos participantes numa complexa rede de discussões e aprendizado sobre a saúde mental e o papel dos profissionais e das instituições que atuam nessa desafiadora área da saúde pública. Reflexão e emoção compuseram as atividades desenvolvidas no auditório do Centro de Referência da Juventude, local que abrigou o evento, e que representa um importante papel no âmbito das políticas públicas para a juventude em Belo Horizonte.

Participação dos usuários

Os usuários do serviço também participaram da Jornada por meio da exposição de três painéis que refletiam fatos marcantes que se deram nas décadas de 80, 90 e anos 2000 e que, de uma forma ou de outra, influenciaram e foram influenciados pelas transformações experimentadas pela saúde mental no Brasil e no mundo.

Os painéis foram criados coletivamente, numa parceria criativa entre os usuários atendidos pelo CMT e os trabalhadores da unidade, e contaram com a curadoria da direção do CMT e das artistas plásticas Maíra Paiva e Carol Merlo, do Centro de Convivência Arthur Bispo do Rosário, e Jhê Delacroix, do Centro de Convivência César Campos.

Referência em saúde mental

Segundo Daniela Dinardi, Belo Horizonte é reconhecida nacionalmente como referência em saúde mental. Para ela, o CMT experimentou muitos avanços ao longo de sua história. “O CMT foi, e ainda é, uma referência para a assistência aos toxicômanos, assim como um lugar de formação para os trabalhadores do SUS. A clínica das toxicomanias é uma clínica complexa e que exige outros dispositivos além do serviço, e de articulações em outros campos como na cultura, nas artes, na educação, esporte, direitos humanos, assistência social, no campo do direito e outros que vão surgindo a medida que a rede de atendimento vai sendo construída a partir da singularidade do que cada caso clínico nos apresenta”, explica a ex-diretora, para ressaltar ainda que a proposta do CMT é a construção de um saber fazer com os toxicômanos. “Nosso trabalho é a criação de um vínculo, mas deixando claro que o CMT é um lugar de passagem”, enfatiza.

 

Por Alexandra Marques / Fhemig